Liquefação…

Ivan Campos
4 min readAug 14, 2020

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Nunca tinha parado pra pensar nisso, mas assistindo a uma aula gravada de um curso que estou acompanhando — e qualquer dia falo mais sobre aqui — fui apresentado a um fato fascinante:

Imagine um gás dentro de um recipiente com pistão. Você comprime o gás apertando esse pistão — ou seja, exercendo uma força sobre ele. O volume do gás vai diminuindo, e a pressão no interior desse recipiente vai aumentando. Mas sabemos que não dá pra comprimir esse gás indefinidamente: uma hora, ele vai começar a se liquefazer. Ou seja, vai existir dentro desse recipiente uma parte — cientificamente falando, uma fase — gasosa e outra líquida dessa mesma substância. O que acontece com a pressão enquanto essa transformação gás para líquido — a liquefação — ocorre?

A pressão fica constante!

Estudamos que durante uma mudança de estado físico a temperatura de uma substância pura não muda. Mas eu nunca havia pensado no que ocorre com a pressão.

A explicação é que durante o processo de liquefação, a energia adicionada ao sistema (através do trabalho exercido sobre o pistão, ou, falando de uma forma mais simples, ao empurrarmos o pistão) não é usada para aumentar mais a pressão do gás, mas sim para produzir mais líquido.

Algumas observações interessantes:

  1. Liquefação e condensação são a mesma coisa?

Geralmente estamos acostumados a usar os dois como sinônimos, mas aprendi semestre passado na disciplina de Química Geral que condensação é a passagem do gasoso para o líquido através da diminuição da temperatura, e liquefação é a passagem do gasoso para o líquido através do aumento de pressão.

Por exemplo:

  • Quando o vapor de água de uma panela fervendo atinge a tampa mais fria, ele sofre condensação — e é por isso que a tampa fica molhada, ou “suada”.
  • Quando o gás de cozinha é colocado dentro do botijão de gás, ele é colocado sob pressão, de forma a torná-lo líquido — passando por liquefação nesse processo. Por isso mesmo ele é denominado GLP: gás liquefeito de petróleo.

2. Por que um gás torna-se líquido sob pressão? Por que uma substância existe no estado gasoso em temperatura e pressão ambientes?

Gases são substâncias moleculares — existem sob a forma de moléculas individuais e não na forma de cristais onde os padrões dos átomos se repetem. Essas moléculas são formadas de átomos unidos entre si por ligações químicas — tá, você deve estar perguntando qual a novidade. Entretanto, não é a força dessas ligações químicas que dita o estado físico de uma substância molecular, e sim as forças com que suas moléculas interagem entre si — o que chamamos de forças intermoleculares!

No caso de gases, essa interação é muito fraca, e não é suficiente para manter duas moléculas unidas entre si: elas escapam umas das outras e tendem a ocupar todo o espaço que as contém. Entretanto, o aumento de pressão aproxima essas moléculas, e a interação entre elas passa a se tornar importante a partir de determinado ponto, de forma que, mantendo aquela pressão, elas não conseguem escapar mais da interação com as outras moléculas — formando um líquido!

3. Por que a temperatura de liquefação/ebulição (processos opostos, mesma temperatura) do Hélio líquido é tão baixa?

O gás Hélio foi o último gás a ser liquefeito, devido à dificuldade em chegar a temperaturas tão baixas: -268.9 °C, aproximadamente 4K, ou seja, muito próximo do zero absoluto (que é -273 °C)! Vamos lá: o Hélio, de símbolo He e número atômico Z=2, eh um gás nobre, e seu átomo é muito pequeno. Por ser um gás nobre seus átomos não são reativos entre si* (compostos de átomos maiores de gases nobres como o Xenônio com outros elementos são assunto para ouutra postagem). As interações entre seus átomos são muuuito fracas, devidas somente à deformação da sua nuvem eletrônica, que deixa parte do átomo mais positiva e parte mais negativa por instantes, atraindo outro átomo de Hélio com essa deformação. Falar que essas deformações ocorrem em frações de segundo é bondade: estamos falando de 10 elevado a -15 segundos, ou seja, um femtosegundo! Essa força ainda é muito mais fraca devido ao fato de o He ser um átomo pequeno, de modo que seus elétrons estão bastante unidos ao núcleo, pouco móveis.

Ou seja: com interações tão fracas, só diminuindo e muito a temperatura para conseguir liquefazer este gás!

*Então não existem moléculas de He2? Não, mas podem existir íons He2+ nas camadas mais externas da atmosfera terrestre e em outras condições extremas pelo Universo, por estarem os átomos de He submetidos a condições de radiação extremamente alta e ionizante, e/ou temperaturas altíssimas que não ocorrem naturalmente em nosso ambiente.

E pensar que a gente acha que sabe tudo sobre liquefação…

Fontes + mais informações: Curso de Química Geral e Inorgânica Aula “Gases reais/Van der Waals; Termoquímica; Entalpia; Capacidade calorífica”, e aulas anteriores, ministradas pela professora Dalva Lúcia A. de Faria, no Instituto de Química da USP, durante o primeiro semestre de 2015. Super recomendo para quem quer se aprofundar em química geral e já tem uma boa base em Química.
Canal: https://www.youtube.com/channel/UCN1ihdoKXeixzYi7Hyp4WwQ
Link para o vídeo dessa aula em específico: https://www.youtube.com/watch?v=fxdv230Krhk&feature=player_embedded

Deixem abaixo suas observações, perguntas — e correções, se houver!

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Ivan Campos

Estudando Química na Universidade Cruzeiro do Sul; Formado em Análise de Sistemas pela FATEC-SP e em Física pela Unicamp